On the Frontlines: As Duras Lições da FTX
29/03/2023
Escrito por Anthony Pugliese e Richard F. Chambers, em 26 de janeiro de 2023
O desastre da FTX é um lembrete de que a governança e a cultura sempre importam.
"O escândalo na FTX é um alerta, lembrando-nos que a governança e a cultura sempre importam."
O impressionante colapso da exchange de criptomoedas FTX está competindo com os escândalos corporativos mais icônicos da história. Quando surgiram as notícias de seu pedido de falência e dos bilhões de dólares desaparecidos, não foi difícil identificar as semelhanças preocupantes com os escândalos da WorldCom, Enron e Madoff. Esses foram eventos sísmicos com consequências devastadoras.
Por que isso continua acontecendo? Não é preciso procurar muito para colocar a culpa diretamente na má cultura corporativa, que pode demolir uma empresa e destruir seu valor. O escândalo na FTX é um alerta, lembrando-nos que a governança e a cultura sempre importam. Também nos lembra que os líderes da empresa devem estar abertos a ouvir as más notícias junto das boas. A lição aprendida com esse desastre deveria ser bastante clara — problemas ocultos só pioram.
Bilhões de dólares em fundos de clientes estão faltando, de mais de um milhão de credores. A FTX estima dever mais de US$ 3 bilhões a seus 50 maiores credores. Mais uma vez, testemunhamos a destruição de patrimônio em grande escala, porque uma empresa não considerou como importante a cultura, a governança, o gerenciamento de riscos ou os controles internos. Esses atributos não necessariamente geram riqueza, mas, sem eles, uma organização pode causar danos significativos.
A FTX era considerada uma das empresas cripto mais estáveis, bem capitalizadas e confiáveis. Seu ex-CEO de 30 anos, Sam Bankman-Fried, que comandava as operações nas Bahamas, era visto como um visionário da indústria. Ele doou milhões, defendeu o altruísmo eficaz e foi considerado pró-regulamentação da cripto. Mas, em um ano, a história do bem-estar da FTX se desenrolaria de maneira impressionante.
A FTX foi avaliada em US$ 32 bilhões em janeiro de 2022. No verão daquele mesmo ano, a FTX estava se oferecendo para comprar ou socorrer outras empresas de criptomoedas falidas e concordou em pagar US$ 135 milhões pelos direitos de nomeação da casa do Miami Heat da NBA.
Em novembro, o CoinDesk, um site de notícias focado em moedas digitais, informou sobre um balanço vazado da FTX, que começou a revelar uma imagem mais verdadeira da posição da empresa: Alameda Research, braço de negociação de criptomoedas da FTX, reportou US$ 14,6 bilhões em ativos que dependiam fortemente dos próprios tokens da FTX. Durante um período de três dias, a Binance, com sede na China, a maior bolsa de criptomoedas do mundo, anunciou e depois desistiu de um acordo para adquirir a FTX. Em 11 de novembro, a FTX entrou com pedido de proteção contra falência de acordo com o Chapter 11 da lei de falências dos EUA e anunciou que Bankman-Fried havia renunciado. No dia seguinte, a Reuters informou que Bankman-Fried havia transferido secretamente US$ 10 bilhões em fundos de clientes da FTX para a Alameda e US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões em fundos de clientes não foram contabilizados.
John J. Ray III, o especialista em reestruturação encarregado de administrar a Enron e várias outras liquidações importantes, foi nomeado CEO da FTX. O pedido de falência de Ray em 17 de novembro fornece uma crítica contundente à empresa: “Nunca em minha carreira vi uma falha tão completa do controle corporativo e uma ausência tão completa de informações financeiras confiáveis”. Uma “parte substancial” dos ativos da FTX possivelmente foi perdida ou roubada, e as demonstrações financeiras – preparadas pela Armanino LLP nos EUA e pela Prager Metis para operações offshore – não devem ser confiáveis, de acordo com o processo de Ray. Ele descreveu “uma ausência de governança independente” entre a FTX e a Alameda. “Desde a integridade comprometida dos sistemas e uma supervisão regulatória falha no exterior, à concentração do controle nas mãos de um grupo muito pequeno de indivíduos inexperientes, não sofisticados e potencialmente não confiáveis, esta situação é sem precedentes”, continuou Ray.
Lembre-se de que Ray foi testemunha, em primeira mão, de alguns dos maiores fracassos corporativos da história. A FTX, segundo ele escreveu, foi o pior fracasso que já viu.
O pedido de recuperação judicial e as finanças revelaram um profundo desrespeito pela governança, sustentado por uma cultura ilusória e descuidada. Nem a FTX nem a Alameda tinham um comitê de auditoria, reuniões do conselho ou um departamento de auditoria interna. Os quadros de funcionários estavam repletos de conflitos de interesses. A Alameda supostamente concedeu empréstimos pessoais maciços a Bankman-Fried e outros. Um “backdoor” de software personalizado foi usado para ocultar o uso indevido dos fundos dos clientes. Transações com partes relacionadas acionaram inúmeros alertas vermelhos. As despesas eram aprovadas por meio de emojis personalizados em chats online. Muitas comunicações estavam configuradas para exclusão automática.
Notavelmente, nenhum dos auditores externos da FTX forneceu uma opinião em seus relatórios de auditoria sobre controles internos sobre contabilidade e reporte financeiro. Também foi reportado que Bankman-Fried se manteve na liderança da empresa até o fim, insistindo que poderia salvá-la, apesar das crescentes evidências contrárias fornecidas por outros funcionários da FTX.
Podemos tentar avaliar causa e efeito. A falta de governança ou supervisão da FTX criou uma cultura empresarial tóxica? Ou era o contrário? Francamente, na maioria dos casos, a cultura acaba sendo determinante. A cauda não deve abanar o cachorro, mas geralmente o faz quando se trata de cultura. É a mesma lição que a Enron, a WorldCom e todos os outros escândalos deveriam ter nos ensinado: a boa governança não acontece, se a cultura não a valoriza.
Como as empresas podem obter as perspectivas necessárias para construir uma cultura que valorize a governança? Uma auditoria interna eficaz é a resposta. Quando a auditoria interna possui bons recursos e é independente da equipe de gestão, ela está bem-posicionada para monitorar a cultura da empresa e reportar problemas antes que se transformem em escândalos. Mas a auditoria interna deve, primeiro, ter o poder de compartilhar boas e más notícias – e a gestão, os conselhos e os comitês de auditoria devem estar prontos para ouvir, mesmo quando as informações forem desconfortáveis ou prejudiciais. A experiência de denúncia de Cynthia Cooper, ex-vice-presidente de auditoria interna da WorldCom, é outro exemplo icônico que prova que problemas ocultos só pioram.
Em última análise, o colapso da FTX não foi uma falha na governança corporativa, mas uma completa falta dela. Portanto, o The IIA está pedindo ao Congresso dos EUA que estabeleça novos requisitos para reforçar a governança corporativa nas bolsas de criptomoedas que operam nos Estados Unidos.
Em uma carta de 5 de dezembro aos presidentes e membros seniores de diversos comitês do Senado e da Câmara dos EUA, o The IIA observou que, como empresa privada, a FTX não era obrigada a cumprir com certas disposições da Lei Sarbanes-Oxley de 2002, estabelecida para promover controles internos sólidos sobre o reporte financeiro e fornecer transparência ao público investidor e prestação de contas dos líderes corporativos.
Com base nas dolorosas lições aprendidas com o colapso da FTX, o The IIA convocou o Congresso a decretar dois novos mandatos destinados a promover a transparência e evitar futuras falhas de controle interno de criptomoedas:
- Exigir que todas as exchanges de criptomoedas que operam nos EUA, bem como parceiros afiliados, possuam um departamento de auditoria interna altamente qualificado e com recursos suficientes.
- Exigir que a alta administração das exchanges de criptomoedas que operam nos EUA certifique, anualmente, que os controles internos de suas exchanges são adequados e apropriados com base em uma avaliação de auditoria interna independente.
A falta de controles internos sólidos tornou a falha da FTX um desfecho inevitável. Mesmo sem esses controles, havia muitos alertas vermelhos. A advertência do guru da gestão, Peter Drucker, de que “a cultura come a estratégia no café da manhã” se encaixa perfeitamente aqui. Mesmo as melhores estratégias de negócios e as pessoas mais inteligentes falharão sem uma cultura que valorize a eficácia da governança, do gerenciamento de riscos e dos controles.
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Este documento foi traduzido por INSTITUTO DOS AUDITORES INTERNOS DO BRASIL em 31 DE JANEIRO DE 2022