O papel da auditoria no retorno ao ambiente de trabalho
23/07/2020
Riscos. Preveni-los e mitigá-los sempre foram missões essenciais de auditores internos. No passado, esses profissionais eram responsáveis por coordenar e avaliar os chamados Planos de Riscos Ocupacionais e de Segurança e Higiene nas áreas industrial e de produção. Com o tempo, o papel ganhou um tom mais corporativo, passaram a atuar próximos à gestão, além de se transformarem nos guardiões da boa governança.
O zelo que emoldura a personalidade de auditores é novamente realçado nos holofotes do mundo corporativo, no momento em que a flexibilização acaba liberando empresas, em diversas partes do País, para que voltem a operar dentro de uma ‘nova normalidade’. Embora haja companhias que já anunciaram que aguardarão mais tempo para o retorno, muitas já iniciaram uma fase gradual de ativação do ambiente tradicional de trabalho, porém, o medo não foi dissipado e, nesse cenário, extremamente complexo, a auditoria interna assume papel crucial.
O auditor está sendo acionado a avaliar e acompanhar a implementação dos planos de riscos de retorno. São amplas as esferas. Envolvem um plano de comunicação integrado que informe corretamente a todos os colaboradores quais serão as medidas tomadas para esse recomeço. Eles chegarão repletas de anseios, temores e questionamentos. Tranquilizá-los, com absoluta transparência, é fator vital que deve ser monitorado pela auditoria.
Devem ser minuciosamente checados todos os procedimentos de higienização, questionários elaborados por médicos, medição de febre ao entrar na empresa, além de ser recomendado o teste de Covid-19 em todos funcionários. Entra no escopo também o transporte utilizado pelos colaboradores. Ofertar ônibus privado por um período pode contribuir na minimização de riscos.
É preciso lembrar que se trata de uma nova fase, com a integração de possíveis novos colaboradores, e avaliar se realmente será preciso toda a estrutura existente para operacionalizar a rotina de trabalho. Também é uma oportunidade para ponderar se a empresa não poderia contribuir com organizações filantrópicas, doando impressoras, computadores ou outros equipamentos ociosos.
Cabe ao auditor auxiliar, com o uso de ferramentas de inteligência artificial e Big Data, na identificação de riscos e benefícios em adotar, por exemplo, um sistema híbrido, entre home-office e presença na empresa. Analisar perdas e ganhos e disponibilizá-los com transparência à direção da companhia também é incumbência do auditor interno.
De acordo com as normas da publicação ‘IPPF’, considerada como a maior referência da profissão no mundo – elaborada pelo Instituto Global dos Auditores Internos (The IIA) – é dever dos auditores aumentar e proteger o valor organizacional da empresa onde atua, seja pública ou privada, fornecendo avaliação, assessoria e conhecimentos preventivos baseados em riscos. A pandemia toca sensivelmente todos esses pontos.
Outra questão que deve ser ressaltada é o aspecto cultural desse retorno. A auditoria no Brasil enfrenta muito mais desafios do que, por exemplo, seus colegas na Alemanha ou Nova Zelândia. Nós, latinos, por razões culturais, temos mais dificuldade em seguir regras e procedimentos rigorosos nesse momento de incertezas e que exige integridade. Cabe aos auditores terem mais carinho e um olhar mais compreensível sobre pequenas turbulências que surjam no decorrer desse processo delicado. Evidente que uma possível flexibilidade jamais pode se transformar em riscos de saúde e nem administrativos, mas vale a aplicação de uma abordagem fraterna.
O auditor vive um momento desafiador, de equilibrar seu rigor técnico na avaliação de procedimentos, com a necessidade de ser mais humano, tendo a consciência de que o mais importante é a proteção e valorização das pessoas. São elas o maior patrimônio de cada organização. Se o plano de riscos de retorno for implantado com coerência, estratégia e responsabilidade, com o apoio de avançados recursos tecnológicos, certamente teremos um cenário capaz de chegar muito próximo do complexo equilíbrio entre segurança sanitária e a necessidade de avançar para a nova normalidade.
A auditoria interna jamais encarou tamanho risco. É hora de usar a coragem que sempre esteve em seu DNA, a fim de transmitir confiança aos colaboradores, sendo um dos primeiros a visitar as áreas produtivas e verificando se todos os quesitos de segurança foram implementados com eficiência. É momento de fazer jus ao respeito e confiabilidade que norteiam os valores dessa profissão.
* Paulo Gomes é diretor-geral do Instituto dos Auditores Internos do Brasil – IIA Brasil.